quarta-feira, 6 de julho de 2011

CRIMINALIDADE DA POBREZA E MÍDIA.



Este artigo faz parte da avaliação da disciplina: Expressão da Questão Social I - Cidades



CRIMINALIDADE DA POBREZA E MÍDIA.

Penélope Gomes Mora Cortés

É sabido que em meados dos anos 70, o modo de produção capitalista passa por um momento de crise, na qual sua taxa de lucro reduz significativamente, levando-o a um processo de reestruturação, redefinindo o papel do Estado perante a sociedade, reduzindo-o ao mínimo para a área social e ampliando-o ao máximo para os assuntos econômicos, ou seja, o mercado.

Nesse processo de transformação capitalista, o mundo da produção e do trabalho sofre alterações. As relações de trabalho se tornam flexíveis e precárias, parte do trabalho humano é substituído pela tecnologia de ponta, no qual uma parcela significativa dos trabalhadores é expulsa de seus postos de trabalho, gerando um desemprego estrutural e uma população estagnada, que segundo Marx, seria uma vertente da superpopulação relativa, aqueles indivíduos extremamente pauperizados que nem mais possuem condições de serem explorados pelo capital, ou seja, de inserir-se no mercado.

Em conseqüência da construção histórica que se desenvolveu, os níveis de pobreza, violência e criminalidade passaram a crescer cada vez mais, gerando um clima de instabilidade política e social, o qual a questão social assumiu novas configurações e manifestações. Diante desse contexto, o Estado com o objetivo de impossibilitar um contexto de desordem social, passa a adotar novas formas de enfrentamento da questão social, através da construção de políticas assistenciais precárias e focalizadas.

No final dos anos 70 ocorreram mudanças significativas, como o aumento da urbanização, industrialização, sofisticação e expansão do mercado de consumo. A combinação de crescimento e desigualdade marcou os mais variados aspectos, como nos serviços de saúde, educação básica se expandiram, mas ao custo de uma queda da qualidade dos serviços e de salários extremamente baixos pagos pela força de trabalho e complexificação da estrutura social que foram acompanhados por autoritarismo, supressão da participação política da maioria da população, uma distribuição extremamente desigual da renda e uma constante tentativa de manter a hierarquia social.

É importante destacar o aumento acelerado e desordenado de imigrantes, nas áreas urbanas, ocupando alguns dos velhos bairros proletários ou na periferia da cidade, em vilas e parques caóticos. Esse processo de mudança social e reestruturação econômica combinam-se com o aumento da violência e o medo, gerando novas formas de segregação espacial e discriminação social.

O crescimento econômico teve como conseqüência a ampliação dos níveis de pobreza e desigualdades sociais. A partir desse marco as noções de periferia e segregação urbana abrem um leque de temas relacionados às carências e aos problemas urbanos de grandes cidades. (RAICHELIS, 2006).

Os indivíduos, geralmente a classe privilegiada, com o medo da violência e criminalidade na sociedade incorporam preocupações raciais e étnicas, preconceitos de classes e referências negativas aos pobres e marginalizados. Pode-se ver que o crime, o medo da violência e o desrespeito aos direitos da cidadania têm se combinado a transformações urbanas para produzir um novo padrão de segregação espacial nas últimas décadas.

A sociedade reorganiza o discurso simbólico sobre o crime elaborando preconceitos e naturalizando a percepção de certos grupos como perigosos. Ela divide o mundo e criminaliza certas categorias. Essa criminalização simbólica faz parte de um processo social e é difundida até mesmo pela categoria estereotipada (classes subalternas).

A combinação do medo da violência, reprodução de preconceitos, contestação de direitos, discriminação social e criação de novas fórmulas para manter grupos sociais separados tem características específicas e perversas de muitas cidades. Em geral as pessoas mais pobres de uma área, no debate a favela, são associadas a criminosos e sempre referidas nos termos mais depreciativos.

Vale ressaltar que a identidade é uma construção sócio-histórica que se dá em virtude dos diversos ambientes sociais, dos sentimentos e interesses compartilhados, das tentativas de se diferenciar dos demais e de apreender cognitivamente a si mesmo – o que implica numa dinâmica segundo a qual o vínculo entre si e os demais parceiros é sempre mediado pela presença do outro.

Em relação aos moradores da favela e de suas comunidades se enfatiza a violência, o crime, o tráfico de drogas e outras formas degradantes daquele ambiente, o que não contribuem para o reconhecimento de sujeitos comuns, merecedores de estima social e respeito e tendo como conseqüência a dificuldade que indivíduos, moradores de favelas acabam adquirindo para demonstrar em se reconhecerem como tais e se engajarem numa luta pela construção de uma identidade mais positiva. Este fato revela um conflito entre, por um lado, a importância de se sentir pertencente a alguma coletividade que acolha e proteja os indivíduos e, por outro, o desejo de não se ver atrelado a um grupo que tem sido visto sob o estigma da violência, da marginalidade e da chaga social. Muitos indivíduos atribuem uma identidade aos moradores de favelas frequentemente com sentidos depreciativos.

A Mídia também está presente na dinâmica da construção da identidade. Como uma instância discursiva capaz de organizar e divulgar as mais diferentes opiniões e expressões. Representam uma mediação fundamental cuja habilidade de filtrar, midiatizar e enfatizar determinados temas oferece perspectivas, modela imagens, contribui na formação de identidades e incita a criação de contextos políticos e sociais de interação e debate. As representações exibidas pela mídia tendem à reprodução de estereótipos socialmente consolidados.

Estudos realizados na Antropologia, por exemplo, mostram que a favela vem sendo comumente interpretada como: o lugar da violência e do tráfico de drogas, o lugar da falta (ausência) e do caos e um problema social. Dessa forma os discursos sobre a violência, o tráfico, criminalidade, a ausência de infra-estrutura, de mecanismos de aplicação da lei e de perspectivas de vida, sobretudo para a população jovem, encontram acolhida em reportagens e matérias de diversos jornais, revistas, noticiários e outros programas de televisão e de rádio. No caso da violência, por exemplo, apesar de ela ser vista em qualquer lugar das cidades, a favela tem sido o lugar privilegiado pela Mídia para retratá-la, como exemplo a Série Cidade dos Homens, a qual é uma narrativa ficcional que aborda a vida de dois adolescentes no seu cotidiano na favela e os problemas enfrentados, como a violência, a carência material, a falência do ensino público, o preconceito social e racial, dentre outros. Dessa forma pode torna-se possível indagar acerca da contribuição que essas produções midiáticas poderiam dar à construção de identidades, às reflexões em relação ao conhecimento do “nós” e do “outro” e ao reconhecimento de uma possível identidade dos moradores de favelas como um grupo socialmente reconhecível por seus próprios membros.

Pensar em criminalização da pobreza, imediatamente nos remete às consideradas “áreas de risco”, favelas e regiões periféricas, espaços marcados pela miséria, discriminação e estigma. Ali, o indivíduo é rotulado como o bandido, o criminoso, em um discurso determinista, no qual o meio já seria uma pré-determinante para a criminalidade, e é na utilização desses discursos que são legitimadas incursões violentas das forças policiais às referidas localidades, que ali representam o poder do Estado e a mídia, com a capacidade de criar opiniões e moldar pensamentos, podendo até nos convencer da inocência ou culpa de um acusado. Cada vez mais, assistimos indivíduos carregando consigo a marca de ser “diferente”, pois não se enxergam nas propagandas consumistas, apenas nas páginas policiais, não tendo sua cultura própria cultura espacial afirmada, e sim negada como um erro. Mas afinal, qual espaço o acolhe e lhe oferece a chance de inserção plena dentro da sociedade?

Referências:

FRY, Peter. (2000), "Cor e Estado de Direito no Brasil", in J. E. Méndez, G. O'Donnell e P. S. Pinheiro (eds.), Democracia, Violência e Injustiça: O Não-Estado de Direito na América Latina. São Paulo, Paz e Terra, pp. 207-231.

RAICHELIS, Raquel. Gestão Pública e a Questão Social na Grande Cidade. São Paulo: Lua Nova, 2006.

RIBEIRO, Carlos Antonio Costa. (1995), Cor e Criminalidade: Estudo e Análise da Justiça no Rio de Janeiro (1900-1930). Rio de Janeiro, Editora da UFRJ

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