sábado, 4 de junho de 2011

Violência e Saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva

MINAYO, M. C. de S.; SOUZA, E. R. de. Violência e Saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 513-531, nov./fev. 1998.

O referido artigo faz uma reflexão metodológica no que diz respeito à violência e sobre o seu impacto na saúde, decorrente de estudos teóricos e pesquisas empíricas desenvolvidas pelo Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde (CLAVES). São articulados teoria, método e estratégia para especificar o objeto “violência”, objeto esse tão difícil de ser abordado, devido a sua forte carga ideológica, ao preconceito e ao senso comum.

A violência é tratada como um conceito que abarca vários sentidos em uma palavra, uma locução com vários sentidos. Diante de tal conceito pode-se verificar o quão complexo é esse tema (violência), gerando, desta forma, muitas teorias. Trata-se de especificidades que precisam ser conhecidas. O fato de a violência ser uma realidade plural é um dos problemas principais que o tema apresenta.

Diante dessa pluralidade que as autoras citam vários autores e suas diferentes explicações e constatações que tange essa temática. No início separam tais autores em dois grupos: os que acreditam que a violência é resultado de necessidades biológicas, psicológicas ou sociais e se fundamentam na culpabilização do indivíduo, naturalização do fenômeno relacionado à questões sociais ou na etologia (ciência dos costumes); e os que sustentam que a violência é um fenômeno de causalidade apenas social, produzida pela dissolução da ordem, seja pela ‘vingança’ dos reprimidos, seja pela fraqueza do Estado. Dentro desses grupos são feitas subdivisões, as quais vão referir a pensamentos de diferentes autores.

No primeiro grupo cita autores como Nielburg (1959), Lawrence (1970), William Thorpe (1970), Lorenz (1979), entre outros, que entendem violência como um fenômeno extra classista e a-histórico, de caráter universal, estabelecendo simples instrumento técnico para as reflexões sobre as realidades sociais. Tratam a violência como natural e inevitável, como uma qualidade inata ao ser humano. Outros autores reduzem os fenômenos e processos sociais à condutas individuais ligadas à fatores psicológicos, associam as relações sociais com mudanças na constituição psíquica do ser humano.

No segundo grupo, não homogêneo de teorias, se referem às raízes sociais da violência. Esse segundo grupo é divido em outros subgrupos, o primeiro deles tem seu componente ideológico muito claro, seja pela volta ao passado, que estão presentes em algumas análises sociológicas, seja nas propostas autoritárias, que entendem o urbano, a favela e a periferia como locus da violência. Outro grupo tende a compreender que os processos e condutas violentas são estratégias de sobrevivência das populações mais desfavorecidas, vítimas das contradições inerentes ao capitalismo no país. Sorel (1970) se refere à violência como a revolta dos despossuídos. E o último grupo vai explicar a violência e o aumento da criminalidade pela falta de autoridade do Estado. As ideias desses autores se assimilam às do senso comum, reduzindo o fenômeno da violência à delinquência, reforçam a repressão como condição de “ordem e progresso”.

A violência é exercida enquanto processo social e a saúde têm responsabilidade de elaborar estratégias de prevenção. Para a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS), a violência adquiriu caráter endêmico e agora é um problema de saúde pública.

Em 1980, houve um crescimento, cerca de 29% no número de mortes violentas, ficando em 2º lugar nas causas de morte. Dentro dessa faixa, os acidentes de trânsito e homicídios são os maiores “responsáveis” por essas mortes.

Segundo as autoras, essa morbilidade por violência é difícil de ser mensurada, pela escassez de dados, pela pouca visibilidade de alguns agravos, pela imprecisão dos fatos nos boletins de ocorrência e pela multiplicidade de fatores que envolvem os atos violentos.

O problema não se reduz as lesões físicas, o medo é apenas uma das manifestações de quem convive com a violência. Nas grandes regiões metropolitanas se concentram 75% de todas as mortes por essa causa. Os estudiosos mostram a necessidade da epidemiologia da violência, além da epidemiologia dos problemas psiquiátricos causados por ela.

As autoras vão examinar três campos que podem colaborar com a saúde pública:

Primeiramente, as ciências sociais, que acredita na violência como fenômeno histórico. Que tem o caráter das estruturas de dominação e é expressão de contradições entre os que querem manter seus privilégios e os que se opõem a isso. “A desvalorização da vida e das normas convencionais, das instituições, dos valores morais e religiosos, o culto à força e ao machismo, a busca do prazer e do consumo imediato estão hoje na base dos códigos paralelos das gangues e ‘falanges’ que amedrontam nossos centros urbanos.” É necessário investigar tanto as formas mais cruéis da violência, para a opinião pública, quanto as mais “reservadas”, naturalizadas.

As ciências sociais ainda chamam atenção para os aspectos culturais e costumes. E em último lugar, elas indicam as diretrizes metodológicas. É preciso entender a violência em sua especificidade.

O segundo campo que as autoras analisam é a epidemiologia. É a partir de 1970 que um grupo de sanitaristas introduz os estudos sobre a violência. Eles se preocupavam com a prevenção.

Os sanitaristas consideram o sexo, faixa etária, cor, espaço geográfico, além das condições sociais e econômicas, em seus estudos epidemiológicos para alcançar maior precisão em seus diagnósticos e também identificar os fatores de risco e grupos vulneráveis.

A epidemiologia não pode ser considerada substituta de outras formas de abordagem teórica. Se somente ela for considerada importante para “explicar” a violência, as causas advindas da ordem estrutural cultural e conjuntural são deixadas de lado. Além desses, outros fatores também seriam deixados de lado, como os casos em que a violência não deixa uma marca física como, por exemplo, a negligência e a violência psicológica.

Por último as autoras analisam a disciplina de psicologia, porque é na totalidade do indivíduo que a violência se concretiza. É importante compreender, através dessa disciplina, os mecanismos psíquicos envolvidos nos diferentes contextos sociais e familiar. “Só considerando a subjetividade, podemos compreender por que em uma mesma família um membro opta por comportamentos violentos e outro não.”

Gostaria de finalizar, ressaltando um trecho das autoras: “O contrário da violência não é a não-violência, é a cidadania e a valorização da vida humana em geral e de cada indivíduo no contexto de seu grupo.”

Texto apresentado pelas alunas Letícia Santana Kaizer e Marcelle Ferreira Ribeiro na disciplina de Expressões da Questão Social - Cidades.

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